Por gerações, fomos ensinadas que nossa função é cuidar dos outros. Fomos educadas a
ser as cuidadoras, a dar apoio incondicional àqueles ao nosso redor, sejam eles nossos pais,
parceiros, filhos, amigos ou colegas de trabalho. Essa expectativa, muitas vezes silenciosa,
permeia nossa vida de maneira tão profunda que, quando nos perguntamos sobre nossos
próprios sonhos, frequentemente encontramos uma resposta sufocada pela dúvida, pela
culpa e pela incerteza.
O Papel de Apoio: Uma Herança que Nos Limita
Desde pequenas, somos moldadas para sermos boas, prestativas, compreensivas. As
histórias que nos cercam, a educação que recebemos, e até os exemplos de mulheres em
nossas vidas, geralmente nos mostram que o caminho mais aceitável é o da abnegação.
Cuidar dos outros é visto como nossa prioridade, enquanto nossos desejos e ambições
pessoais são colocados em segundo plano – quando não são completamente esquecidos.
Essa herança, passada de geração em geração, nos ensina a viver nos bastidores. Somos
encorajadas a ser suporte, mas raramente somos estimuladas a brilhar no palco principal
das nossas próprias vidas. Como resultado, muitas de nós chegamos à fase adulta com um
sentimento profundo de insatisfação, sentindo que algo está faltando, sem entender
exatamente o que é.
A Culpa de Ser Protagonista
Como psicanalista com mais de 10 anos de experiência, vejo essa questão com frequência
em minhas pacientes: a dificuldade em realizar os próprios sonhos, não por falta de talento
ou habilidade, mas pelo peso da culpa. Para muitas mulheres, o simples ato de desejar algo
para si mesmas já vem acompanhado de uma sensação de egoísmo, de que estão deixando
de cumprir um papel esperado.
Essa culpa, muitas vezes invisível, age como um sabotador silencioso. Ela nos faz questionar
nossos desejos: “Será que eu mereço isso?”, “E se eu estiver negligenciando alguém?”, “Será
que é certo focar em mim quando os outros precisam de mim?”. E assim, pouco a pouco,
nossos sonhos ficam para depois, adiados indefinidamente enquanto atendemos às
expectativas dos outros.
O Impacto Psicológico do Autoesquecimento
Do ponto de vista psicológico, esse processo de deixar nossos sonhos de lado para
priorizar os outros pode ter um impacto profundo na nossa saúde mental e emocional. Ele
nos desconecta de quem realmente somos e nos coloca em um ciclo de autoesquecimento,
onde a vida parece estar acontecendo ao nosso redor, mas nunca em nossa própria
direção.
Nosso bem-estar emocional está intrinsecamente ligado à realização pessoal. Quando nos
privamos de seguir nossos próprios caminhos, estamos, de certa forma, negando nossa
própria existência plena. Isso pode levar a sentimentos de vazio, frustração, ansiedade e,
eventualmente, depressão. Não é incomum ver mulheres que, após anos de dedicação aos
outros, olham para trás e percebem que suas vidas não refletem quem elas realmente são –
apenas o que os outros esperavam delas.
Resgatar o Protagonismo: A Jornada do Autoconhecimento
Mas existe um caminho de volta para nós mesmas, e ele começa com o autoconhecimento.
É preciso reconhecer esses padrões que nos prendem e questioná-los. Será que precisamos
continuar repetindo o modelo que nos foi ensinado? Será que não é hora de resgatarmos o
direito de sonhar, de desejar, de protagonizar?
Para começar essa mudança, aqui estão alguns passos importantes:
- Identifique Suas Paixões: Reflita sobre o que realmente te motiva, o que faz seus
olhos brilharem. Permita-se redescobrir seus desejos sem julgamentos. - Questione a Culpa: Quando a culpa surgir, pergunte-se: “Por que me sinto assim?
Isso realmente reflete meus valores ou é uma expectativa externa?”. Muitas vezes, perceber
que essa culpa não pertence a nós é o primeiro passo para deixá-la para trás. - Estabeleça Limites Saudáveis: Priorizar seus sonhos não significa abandonar os
outros. Trata-se de encontrar um equilíbrio saudável, onde você pode cuidar de si mesma
sem negligenciar suas responsabilidades. - Cerque-se de Apoio: Procure pessoas que te incentivem a seguir seus sonhos, que
compreendam e valorizem suas ambições. Ter uma rede de apoio faz toda a diferença.
O Protagonismo Feminino é um Ato de Revolução Interna
Para muitas de nós, realizar nossos sonhos não é apenas uma questão de conquista
pessoal, mas um ato de revolução interna. É um rompimento com padrões enraizados que
nos impedem de viver plenamente. É uma afirmação de que nossos desejos, nossas
ambições e nossa voz têm valor – e merecem ser ouvidos.
Ao resgatar o protagonismo em nossas vidas, estamos não apenas cuidando de nós
mesmas, mas também criando um exemplo poderoso para as próximas gerações de
mulheres. Mostramos que é possível cuidar dos outros sem deixar de cuidar de si. Que é
possível realizar sonhos, sem abandonar aqueles que amamos. Que podemos, sim, brilhar
no palco das nossas próprias vidas – e que, ao fazermos isso, inspiramos outras a fazerem o
mesmo.
O primeiro passo para realizar seus sonhos começa agora. O que você vai escolher?